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II - NO RESCALDO DOS INCÊNDIOS

Uma reflexão despretensiosa, mas, talvez, pertinente…

(Antes de ler o que agora se segue, convém visitar, neste site, o artigo anterior, publicado a 30 de junho).

1. Sobre incêndios e desgraças, mais ou menos naturais!

Tínhamos acabado de comentar, um colega e eu, as possíveis razões dos tristes incêndios que, recentemente, assolaram uma região que conhecia bem e que muito apreciava pela sua beleza natural e pelos desenvolvimentos turísticos destes últimos anos. E dizíamos, concordes, que muito (ou quase tudo!?) se resolveria com adequadas ações de prevenção, coisas muito badaladas nos últimos anos, mas quase sem consequências práticas: cadastro predial; ordenamento do território e da floresta; disciplina em termos de licenças de construção; limpeza de ribeiras e de linhas de água; erradicação das nossas matas de árvores e plantas infestantes e exógenas, sobretudo se amigas do fogo; limpeza atempada de terrenos, vigilância de matas e florestas; abertura de caminhos e estradas de penetração; linhas de corta-fogo; construção de poços e balsas com reservas de água em lugares estratégicos; formação não só de técnicos mas também das pessoas, sobretudo se habitam em lugares de maior risco de catástrofe; distribuição pela população de adequados meios de combate aos sinistros; penalização exemplar de quem não cumpre e/ou de quem prevarica e, mais ainda, de quem promove incêndios…
E, a respeito de penalização exemplar, o meu colega é mesmo perentório: “É preciso castigar tanto quem pega o lume, como quem o incentiva e, se calhar, até paga para tirar daí inconfessáveis dividendos. E com penas pesadas, entre outras e, para além da prisão, obrigando a limpar matas e a plantar novas árvores”.
E, com isto, até estou essencialmente de acordo.

Foi neste ponto da nossa interessante conversa que, ao folhear o JM, de sábado, dia 24 de junho, deparei com este título: «Ordem para ‘arder’» (“Pontos de Vista”, p. 3), um breve artigo de Agostinho Silva, Diretor do referido diário. “Credo, mas isso é que não!”, reagi de imediato, e logo me dei à leitura, que fiz de um fôlego, porque estava com curiosidade de saber aonde aquilo iria chegar. E escusado será dizer que gostei do arrazoado do mesmo e aplaudi a conclusão, acerca dos tão propalados meios aéreos para a Madeira, que, agora, parecem ser a panaceia para o que ainda não ardeu nesta terra! Transcrevo, então, e com a devida vénia, o último parágrafo desse artigo, com que concordo plenamente: “Tal como se viu em Pedrógão Grande, os meios aéreos não são solução para todas as situações e para todos os cenários. Na Madeira, serão seguramente mais as vezes em que não servirão de ajuda do que aquelas em que travarão eventuais fogos. Com negócios destes, haverá muito mais do que as serras a arder…”.
Pois bem, no continente português, esses meios até existem, mas não têm resolvido as várias situações que se têm verificado nestes últimos tempos, sem esquecer que constituem um gasto enorme de divisas em aeronaves (caríssimas) e em meios humanos (especializados… e muito bem pagos). Resultado? É o que se sabe; é o que se viu, ouviu e comentou; e o que se sofreu e se perdeu; e o que, infelizmente, continua a acontecer, numa sequência temporal e espacial: quantos mortos, quanto sofrimento humano, quanto prejuízo material para muitas famílias, quanto desemprego, quantos danos, sem que se vislumbre remédio eficaz para tantos males, nos próximos decénios!
Culpa da natureza, com os seus fenómenos incontornáveis e incontroláveis?!... Desde os meus tempos de liceu, sobretudo nos anos que vivi em Coimbra, para onde fui aos 15 anos, habituei-me a ouvir a educadores e mestres que “Deus perdoa sempre; o homem, às vezes; a natureza, nunca!” Pois bem, parece-me que nunca tinha percebido tão bem este dito, no que à natureza se refere, como nos acontecimentos trágicos da Madeira 2010, 2013 e 2016, e nos de agora, em pleno 2017, nas terras beirãs de Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra, Góis, Arganil e, já depois, em tantos outros lugares deste nosso país, ainda lindo, mas, até quando?!...
Sorte minha, mas sem menos sofrimento, o facto de não ter vivido de perto nem os trágicos acontecimentos da Madeira, em 2010 e em 2013, nem os recentes, lá no Continente… Nos primeiros, os da Madeira, vivia e trabalhava em Coimbra (por isso, conheço bem a zona dos últimos incêndios), onde estive até fins de agosto de 2013, vindo, depois, logo nos inícios de setembro, para a Madeira, aonde agora vivo e trabalho, repartido em tarefas pastorais e educativas, entre o Monte, Funchal e arredores.
Mas… atordoa-me o famigerado refrão: “A natureza, nunca!”. A que junto um outro, se calhar não menos verdadeiro: “Mas a natureza triunfa sempre!”. Só falta saber em que sentido, e, se o sentido for pela negativa, como será possível transformá-lo, primeiro, em esperança, e, depois, em certeza de uma recuperação de pessoas, haveres, casas, terrenos, estradas, pontes…, numa palavra, em reconstrução de vidas e de comunidades com presente e com futuro, mesmo que continuem as expetativas de outros desastres que, infelizmente, vão tecendo a nossa história comum, ao longo de séculos?!...
Mas não deixa de ser verdade, porque faz parte da nossa condição humana, sobretudo de Madeirenses, a certeza de que é possível lutar “com” a natureza em busca de soluções para os nossos problemas. Desde que a nossa luta não seja contra ela, a natureza!

F. Gonçalves - julho de 2017
(Reflexão a continuar, proximamente…)

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